Estilos Internos e Externos

Muitas pessoas em todo o mundo (inclusive chineses) afirmam que essa classificação de artes chinesas “internas” e “externas” é pura crendice e invencionice. Seus argumentos são aparentemente sólidos e racionais, levando muitas pessoas a essa mesma direção. Mas porque se combater uma classificação que existe apenas para fins didáticos e de pesquisa? Gostaria, por isso, de esclarecer o que é exatamente essa história de “estilo interno” e “estilo externo”. 

Origens Históricas
A primeira vez que essa classificação apareceu foi em 1894 quando quatro grandes Mestres de Bagua Zhang, Tai Ji Quan e Xing Yi Quan se reuniram em uma associação para o aprimoramento e engrandecimento das artes marciais. A associação formada por Cheng Ting Hua, considerado o moderno fundador do Bagua Zhang, e seus amigos Liu de Kuan (Tai Ji Quan), Li Cun Yi e Liu Wei Xiang (Xing Yi Quan), se chamou Nei Jia Quan (Punhos da Família Interna). Para diferenciarem suas artes daquelas derivadas de Shaolin eles criaram essa classificação de “Escolas Internas”, como passaram a ser chamadas as artes pertencentes à associação. Sua finalidade principal era difundir a arte marcial praticada de maneira correta, aumentar as habilidades de seus estudantes e formar uma fraternidade entre amantes das artes marciais. Mais tarde essa diferenciação foi difundida e popularizada a partir de 1915 através dos livros do Mestre Sun Lu Tang e é aceita pela maioria dos Mestres de Kung Fu em todo o mundo. Com a parte histórica delineada, vamos analisar essas artes propriamente ditas.

Divisão
A idéia ao redor das Escolas Internas é de que elas se destacam pela importância e ênfase no desenvolvimento da energia interior (Qi). Isso não significa, claro, que outras artes não desenvolvam o Qi ou que as Artes Internas não usem o corpo físico! Essa diferença, atualmente, é apenas para fins de estudo. Como as artes marciais chinesas existem em centenas de variações, foi necessário dividi-las em grupos: Externas, Internas, Shaolin de Honan, Shaolin de Fukien, O-Mei Shan, do Norte, do Sul, etc… Portanto, Escolas Internas e Externas é apenas mais um tipo de classificação existente.

A opinião popular de que essa diferenciação é em virtude de serem “duras” ou “suaves” é que é o grande engano. Ambas as escolas podem ter técnicas duras ou suaves. Então onde está a razão dessa separação? Ora, o que separa as escolas Interna e Externa é a sua filosofia de base. A Escola Externa se baseia nos princípios budistas, enquanto a Escola Interna segue as diretrizes taoistas. Essa é basicamente a diferença entre elas, que iremos examinar melhor.

Escolas Internas possuem como base o Taoismo. Assim, levam em grande importância o fluxo de Qi, o Yin/Yang, os Cinco Movimentos (chamados erroneamente de “elementos”), os Oito Trigramas e o I Ching. O Taoísmo é uma escola filosófica mais mística, espiritual, representado basicamente pelo I Ching e o Tao Te Ching e pela preocupação com o Qi e a harmonia com o Universo. Sua técnica de meditação característica é em pé, algumas vezes em movimento.

Escolas Externas se fundamentam nos ensinamentos de Buda. Como a própria filosofia budista prega, as Escolas Externas são mais “pé no chão”, preferindo técnicas mais contundentes, dando menos ênfase às características mais sutis como o emprego do Qi e mais ao treinamento e desenvolvimento físico em si. Como Buda afirmava ser mais importante se preocupar com nossas ações aqui na Terra do que com outros planos, as técnicas budistas são mais corporais, com intenso treinamento do corpo (veja a obra de Bodhidharma, o Yi Jin Jing – exercícios destinados ao fortalecimento dos músculos, ossos e tendões). Sua meditação característica é sentada e parada, a mesma utilizada pelo Ch’an e pelo Zen.

Técnicas
Afirmo novamente que as Escolas Externas também utilizam o Qi e as Escolas Internas também utilizam o corpo físico (como não?). A diferença, gerada pelas suas filosofias básicas, conforme mostrado, está na ênfase que cada parte confere às suas artes: corpo e Qi. Tomemos como exemplo o Fa Jing, a técnica de projeção de energia. Essa técnica é característica dos estilos internos, capacitando o praticante a projetar sua energia contra o oponente, auxiliando-o tecnicamente a vencê-lo. Como exemplo de Fa Jing podemos tomar o Mestre Morihei Ueshiba, fundador do Aikidô, que arremessava seus oponentes à distância, muitas vezes sem tocá-los (comprovado por testemunhas e filmagens). Essa habilidade também é muito empregada, embora de maneira diferente, pelo Xing Yi Quan e o Tai Ji Quan.

Outra característica das Escolas Internas é a sutileza de suas técnicas, sentida através do emprego cirúrgico de ângulos de combate. Essa é uma especialidade dessas escolas, onde um desvio de milímetros capacita um contra-ataque fulminante.

Fonte: livro “Os Caminhos do Taoismo”, capítulo “Artes Marciais”

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Gilberto Antônio Silva é Parapsicólogo e Jornalista. Estuda filosofias e culturas orientais desde 1977 e é autor de 14 livros. Como Taoista, atua amplamente na pesquisa e divulgação desta fantástica filosofia-religião chinesa. Sites: www.taoismo.org e www.laoshan.com.br.

 

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