Wuwei – A Água e a Pedra

O conceito de não-ação (wuwei) é um dos conceitos taoistas mais mal compreendidos no Ocidente. Muitos pesquisadores acreditaram tratar-se de um fatalismo e de uma “filosofia da indolência”, onde aceitar o que acontece de forma passiva e esperar as coisas acontecerem são os fundamentos. Nada mais longe da verdade.

O Tao é uma constante não-ação
Que nada deixa por realizar
Tao Te Ching, Capítulo 37

Wuwei simboliza a aceitação do fluxo de acontecimentos e a atenção a cada pequena chance de alterar a direção deste fluxo. Todos sabemos que as circunstâncias nos conduzem em determinada direção, mas que dentro deste direcionamento sempre podemos fazer pequenas alterações e correções de rota.

Lutar contra a correnteza, se rebelar contra a direção em que nossa vida se volta, costuma trazer problemas. Os chineses antigos afirmavam que compreender o fluxo das coisas e se adaptar a ele é o primeiro passo para obter seu controle. Estando consciente da direção em que se segue, podemos prever o rumo possível dos acontecimentos e efetuar medidas que nos levem a uma situação melhor.

Saber aceitar e aprender a conduzir são as sementes da sabedoria da não-ação.

A noção de Wuwei juntamente com o conceito de Yin/Yang formam as bases sobre as quais se assenta a filosofia do Taoísmo aplicada à vida. “Wu” pode ser traduzido como “nada” ou “ausência”. “Wei”, segundo Alan Watts, um dos maiores estudiosos da filosofia oriental, também pode significar ser, fazer, praticar, criar, embora no contexto taoísta signifique interferência ou coerção. Portanto, Wuwei significa “não-interferência”. Algumas pessoas que traduzem esse termo apenas por não-ação acabam gerando alguns mal-entendidos.

Esse conceito é muito antigo e faz parte dos ensinamentos taoistas desde longa data. O historiador Sima Qian (145-86 a.C.) escreveu no Shi Ji (Arquivos de História), no século I a.C., que o Taoismo já enfatizava o Wuwei e que “é mais difícil de entender do que de praticar o que prega”. Realmente, a não-ação é mais fácil de exercer do que de ensinar.

Os taoistas adoram usar como exem­plo de sua filosofia a água. Ela transmite como ninguém a noção de flexibilidade e de força. Pode-se matar a sede com ela; mover um gerador ou um monjolo (espé­cie de moinho muito usado no interior de São Paulo); cortar uma chapa de aço maciça e furar pedras duríssimas. Não se pode confundir flexibilidade com fraque­za. Bem, a água sempre escoa de um lugar mais alto para um mais baixo, impelida pela força de gravidade. Ao encontrar um obs­táculo, a água o desgasta, dissolve ou o leva consigo. Na impossibilidade de se­guir essas opções, a água se desvia e segue o seu curso normal.

Também o homem segue o seu curso, movido por uma força que ele não pode controlar: o TEMPO. O tempo passa, os dias viram anos e todos as pessoas sen­tem esse fluxo, quer estejam num eremitério do Himalaia, quer estejam num car­ro em Nova York. Nesse constante fluir os seres humanos se defrontam com inú­meros obstáculos: doenças, pressões no trabalho, promissórias vencidas, filhos turrões, falta de liberdade. Esses obstácu­los como todos os outros são encarados como uma verdadeira guerra, causando depressão, estafa, enxaquecas, doenças cardiovasculares e sabe-se lá o que mais.

Não pensem que isso é novidade. Des­de que o homem existe, ele enfrenta mui­tos obstáculos e os taoistas descobriram um meio de vencê-los como a água o faz: Wu Wei.

A coisa mais macia da Terra vence a mais dura.
O que não existe penetra até mesmo no que não tem frestas.
Nisso se reconhece o valor da não-ação.
O ensino sem palavras, o valor da não-ação,
são raros os que o conseguem na Terra.”
Tao Te Ching, Capítulo 43

Wuwei é a não-interferência com o fluxo da vida. O tempo se escoa e com ele enfrentamos diversos obstáculos. A grande maioria deles se desfaz sozinha com o passar do tempo (embora nos pre­ocupemos um bocado antes disso). Quan­tas vezes nos preocupamos com assuntos além do nosso alcance ou que a preocu­pação ocupa o lugar de uma considera­ção séria que poderia resolver a questão. Quanto gasto inútil de energia e quanto estresse gerado. A atitude dos taoistas é de deixar as preocupações inú­teis de lado e resolver o problema de modo organizado ou, então, esperar que a solução se dê por si mesma.

Assim também o Sábio permanece na ação sem agir,
ensina sem nada dizer.
Tao Te Ching , Capítulo 2

Zhuangzi contou a estória de um bêbado que caiu de uma carroça em mo­vimento sem sofrer um arranhão, onde outra pessoa teria morrido. Ele não so­freu nada porque não estava consciente de si, nem parou para pensar no que po­deria acontecer com a queda. Da mesma forma, quanto mais se pensa num proble­ma, pior ele fica. Como exemplo de apli­cação, podemos citar as artes marciais do Tai Chi Chuan e do Aikido. Embora não oponham força à agressão, conseguem dominar qualquer adversário sem neces­sidade de machucá-lo. Isso só pode ser obtido através da aplicação do Wuwei. Essas artes taoistas não tomam a iniciativa do ataque, mas esperam pelos movimentos do adversário e deixam que eles os guiem para a melhor forma de defesa. No clássi­co taoísta “Texto Sobre o Tai Chi Chuan” de Wang Zongyue, consta a se­guinte passagem: “Se este (o adversário) se move rapidamente, responde-se com rapidez; se ele se move lentamente, deve-se imitá-lo”. Da mesma forma, se ele avançar, recuamos e vice-versa. Atitude igual deve ser mantida na vida cotidiana. Para se realizar um projeto, deve-se espe­rar a situação oportuna, ou estaremos fadados a falhar.

Essa atitude de espera por uma época propícia é exaus­tivamente abordada pelo I Ching, o Li­vro das Mutações como na passa­gem a seguir: “Em seu dia próprio, você verá que lhe darão crédito. Supremo su­cesso, propiciado pela perseverança (na conduta atual)” — Hexagrama 49, Revo­lução.

Aguardar a época propícia para algu­ma realização ou esperar que o problema se resolva por si mesmo não é fácil, pois sempre queremos ter o controle absoluto de tudo. Mas esta­mos em um barco à mercê da correnteza e será menos trabalhoso se evitarmos re­mar contra ela. Ao se defrontar com uma época ruim, pense que os ciclos Yin e Yang sempre se alternam e para cada hora de trevas exis­te uma hora de luz radiante.

Quem estima a Vida não age nem faz planos.
Tao Te Ching, Capítulo 38



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Gilberto Antônio Silva é Parapsicólogo, Terapeuta e Jornalista. Como Taoista, atua amplamente na pesquisa e divulgação desta fantástica cultura chinesa através de cursos, palestras e artigos. É autor de 14 livros, a maioria sobre cultura oriental e Taoismo. Site: www.laoshan.com.br

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